sexta-feira, 11 de julho de 2008

Post 44: Hélade e Helenistas.

Em uma noite de quinta-feira, pelos passares-de-tempo de julho, Mnemosýne trouxe até mim uma das efemérides mais significativas de todos os meus dias: a primeira semana na Universidade, mais precisamente as incipientes aulas de Grego Genérico.

A professora era algo pitoresco. Segundo o dicionário, “graciosamente original”. Sua voz estridente, porém chamativa, era uma das principais atrações da classe. Eu e um amigo, Guilherme, olhamo-nos e efetuamos uma comunicação mais por telepatia do que por lexias: “essa é a voz dela mesmo ou é sacanagem?”.

Não, não era sacanagem. Estava muito longe de ser, afinal, além dela ser professora de uma disciplina aparentemente tão exótica e hermética – hermética no sentido mais stricto sensu possível, isto é, relativo ao deus Hermes, o mensageiro -, ela ainda era evangélica. Definitivamente, não era sacanagem.

Pois bem. O choque inicial: o alfabeto grego. Aquilo me lembrava algo barroco. Mas me encantava: eu queria escrever tudo, absolutamente tudo com os caracteres gregos. Nas minhas folhas vinha escrito προφεσσορα αλεσσανδρα, ao invés de διδασκάλε ἀλέχανδρα. Um desastre voltado para a minha mais nova paixão.

Passada a fase inicial de alfabetização, vieram as declinações. Eu tinha uma ligeira impressão de que aquilo tudo causava asco nos alunos, mas não entendia o porquê. Aliás, entendia sim. Mas a simpatia da professora fazia com que os empecilhos helênicos não fossem tão poderosos assim. E nada me tira da cabeça que a voz também exercia algum papel fixador de nádegas naquela sala infestada de musas, daimons, deuses e...declinações.

Um ano se passou e o Grego continuou sendo a minha efeméride das quartas e sextas. Era uma sensação elástica, de ida e volta, volta e ida. Assim como na música de Alkistis Protopsalti, “Apéranto Kenó”: “sinexia fevgo makria sou kai olo erxomai - sempre distancio-me de você e volto inteiramente”.

Em finais de 2007, Alessandra Viegas, a “didaskále mou”, apresenta-me mais duas efemérides: Fernanda Lemos de Lima e Dulci Nascimento. Foi pá-pum. Empatia súbita que se transformou em uma admiração incontrolável. Como diria Theóphile Gautier: 'admirar é amar com o cérebro'. Apoiado, apoiado. Mas deixemo-nas nessas entrelinhas plenas de verbo agapáo para que uma outra crise de abstinência não venha à tona.

Falando em abstinência, ela chegou no início de 2008, com o término do curso de Grego Genérico. Eu havia de tomar alguma providência; caso contrário, tremores, visão turva e alucinações tomariam o meu corpo.

E tomei: fui assistir a algumas aulas de Grego Específico com a professora Tatiana Ribeiro.

Inicialmente, eu era só ouvinte, receptora de seus ensinamentos singulares. Mas através da extrema seriedade acadêmica e boa-vontade da mesma, acabei sendo inscrita e comecei mais uma graduação: a de Português-Grego.

Linhas pontilhadas foram surgindo sem nem eu mesma perceber. Uma paixão veio à tona, com a tempestade das ondas, e, agora, com a calmaria da maré, o amor vem chegando mansinho, mansinho.

A paixão dura dois anos. O amor, a vida inteira. E o Grego...ah, o Grego. Que Caos, Tártaro, Gaia e Urano conservem sempre as minhas musas para que a pira não se apague.

E ela não há de se apagar.