quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Post 50: A vermelhidão dos cravos que coibiu a pólvora.

E era, sobretudo, um ato de revolução contida em minhas partes de(s)compostas pelas fasces supremas que pesavam na percepção que me cabia.

Coube um dia. Há um passar de tempo não atual. E não tão próximo. Trituraram os meus princípios e leis internas. Decapitaram. Mutilaram a minha ordem.

Mas irrompi através de três letras, mesmo sendo um ente irrisório diante tanta magnificência ditatorial. Flostriei em tentativas, suspenso pelo fio molestado da utopia-não-utopia. Utopia para eles, esses alguns companheiros desnaturados. Plausível para mim. Perdição para o sistema.

Minhas artérias e veias carregaram a densidade de um sangue ávido por eutimia. Estopim através da audição: Rádio Renascença foi incumbida por transpassar o nosso gesto recôndito.

A fulguração lunar observou o nosso embate, abastecendo e fortificando os raios solares que nasceriam no após. Sem morte em superfície. Com a vida disparada na vermelhidão dos cravos que coibiram a pólvora.

Festejo popular. Populares em frêmito regozijo clamando por independência não auto-determinada em espasmos de anacronismo.

E os paladinos jorravam na epiderme do terceiro continente mais extenso que um dia já fez Pangéia: armas empinadas e ruidosas em terras subestimadas que promulgam indagações perdidas e póstumas – deixai fazer, deixai passar, o mundo corre por si mesmo, companheiros militares? Haverá consciência auto-determinada ou o processo trovejará em esguicho de radicalismo?

Necessitávamos de uma transição. Queríamos atravessar com segurança a margem do rio caudaloso de nossa existência. Pedíamos, a nós mesmos, o deslizar paulatino, suave. Acolhedor.

Mas abandonamos. Abandonamos como os cães que se sentem feridos. Desamparamos uma legião e desertamos a história que se iniciara em 1415.

Que Ceuta nos perdôe e que tenhamos Pedros e Paulas velando por nossos cacos. Por meus cacos perdidos em África.

Assim seja.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Post 49: Coisas que ficaram pelo caminho.

Pensamentos rápidos e furtivos...

Perdas são tão necessárias quanto obrigatórias. Não há nada que dure eternamente (mesmo que os mais românticos e menos céticos digam o contrário); não há vitalidade nem energia suficiente que ilumine todos os cantos e esquinas; não há força que nos proteja, ou revele, e guarde tudo de bonito que porventura tenha acontecido. O bonito também morre em algum lugar.

Resguardando o que é realmente importante, as coisas tendem a ficar, inevitavelmente, pelo caminho: quando não as perdemos, elas se perdem de nós. E num delírio súbito, há a imensa vontade de congelar tudo o que é conscientemente distante, mas nos fala em algum ponto; um egoísmo medroso e desculpável – fugir da solidão normalmente leva a condutas não-perceptivéis.

Enfim, esse desabamento de idéias surgiu de um vocábulo africano (não sei muito sobre a origem dele, então... desculpe!): Sankofa.

Sankofa: nunca é tarde para voltar atrás e recolher o que ficou pelo caminho.

Seria mais fácil reclamar e se lamuriar do que perceber que é possível andar contra o vento?

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Vou aparecer mais freqüentemente!

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Post 48: Nihil demais.

E eu só queria dez minutos. Dez minutos estagnados em cada olho para poder compreender o mistério da íris e da retina do ser humano.


O dos cães e cavalos, já descobri: é o reflexo mareado das intenções expostas pela córnea brilhante. Ou não.


domingo, 13 de julho de 2008

Post 47: O homem da areia: o fantástico-estranho de Hoffman.

Intrínseca à literatura de Hoffman, há atuante o comportamento do homem, em seu caráter natural, quanto ao sensorial. Suas reações e inquietações são fruto da possibilidade ou não do olhar, como sensação física que engloba todos os sentidos suscetíveis ao corpo humano; sensações cuja origem é o mecanismo, representado pela personagem Olímpia, de O homem da areia.

O texto é permeado pela necessidade de se comprovar, através da visão, fatos cotidianos; não apenas aspectos físicos, mas também as sensações mais internalizadas. Os olhos, principalmente, seriam um espelho que tanto reflete o que está ao alcance da visão quanto revela ao mundo o que há por dentro do indivíduo. Logo no começo da narrativa, Natanael, em carta, relata a Lotar seu atual estado de ânimo face aos recentes acontecimentos

Se ao menos você estivesse aqui, poderia ver com seus próprios olhos; mas, tenho certeza, certamente vai me considerar um supersticioso visionário (pág. 113).

A carga semântica buscada por Hoffman, quanto à importância do olhar, é evidenciada na escolha vocabular, em períodos cuja situação do “ver” é posta como meio superior aos demais (as palavras, ditas e escritas, por exemplo) de se revelar verdades, em metáforas, como a da cortina, etc. A possibilidade de ver, não apenas enxergar, é tão fundamental, que mesmo a voz narrativa se adapta à idéia principal do texto: há a mudança do eu, onipresente, para um narrador, “o autor”, que teria, supostamente, evidenciado todo o desenlace do enredo. Essa mudança é traço da literatura fantástica, como estilo: as formas estruturais realistas são contestadas via a arte.

O encontro com um vendedor de barômetros, a quem expulsa, é desencadeador do processo de reflexão do jovem; ele se lembra de Coppelius, advogado, amigo de seu pai, que almoçava em sua casa com freqüência. Como se uma porta fosse aberta, jorra de sua memória recordações que o amedrontavam na infância: o homem da areia, criatura fantástica que, o então menino, associava ao advogado. O olhar retorna ao foco da narrativa quando Natanael rememora a história contada pela ama-seca; o personagem ficcional jogaria areia nos olhos das crianças que se recusariam a dormir.

A aparição do homem lhe manifestava sensação de mau presságio; o vendedor, Coppola, reanimara em Natanael a morte violenta do pai, supostamente causada por Coppelius. A partir desse fato, sucessivos acontecimentos interligados encaminham a figura do jovem, separado da família devido aos estudos, a Olímpia. A princípio, conhece Spalanzani, seu professor, pai da moça: o mestre lhe assegurava conhecer Coppola há anos, retirando dele uma carga significativa, não sua completude, de preocupação.

Ainda se comunicando com Lotar, o olhar mais uma vez é elevado de patamar, quando se busca, através da escrita, descrever o professor: “Melhor que qualquer descrição, porém, é vê-lo num retrato de Cagliostro feito por Chodowiecki (...)” (pág. 125). Na seqüência, uma vontade fantástica, não baseada em nenhuma percepção específica, o leva à cortina entreaberta, por onde avista pela primeira vez a “mulher alta e muito magra, esplendidamente vestida” (pág.126).

O seguir da narrativa, a partir desse primeiro encontro, se destoa da forma epistolar com que o texto estava sendo construído até então: a voz do narrador surge, focando o enredo na relação, ainda fortemente sensorial, de Natanael com a suposta filha de Spalanzani. Após o primeiro momento, em que ele a vê por trás das cortinas, outras quatro situações comporão o quadro descritivo, quase visual, de Olímpia.

Novamente, o estranho leva, literalmente, Natanael a uma nova experiência com Olímpia: sua casa é queimada, mas por alguma razão, oculta dentro da própria narrativa, seus pertences foram salvos e já alocados em um quarto que os amigos haviam lhe arrumado. Ainda sem muita curiosidade, nota que Spalanzani mora em frente; chama-lhe atenção, contudo, a postura da filha do professor, sentada na cadeira exatamente quando da primeira vez.

Após reconhecer não ser Coppola o velho amigo do pai, Natanael compra um binóculo do vendedor de barômetros. O acontecimento é importante e constitui fator decisivo para compreender as futuras experiências e revoluções internas que ocorrerão no jovem: o binóculo não apenas é um mecanismo, são os olhos ficcionais; olhos que permitirão ver, através das lentes, o que se deseja, mesmo inconscientemente. Os impulsos do personagem o encaminham ao seu próprio desconhecido, internalizado e não-visível: há a materialização do próprio eu, Natanael, em Olímpia.

O terceiro encontro de Natanael com Olímpia revela, nas entrelinhas, a verdadeira motivação, calcada psicologicamente, do fascínio do jovem pelo autômato: o mecanismo representa a possibilidade da voz do jovem ecoar; é o desejo narcísico de Natanael que sustenta, através do olhar, da possibilidade de enxergar através da cortina com o binóculo aquela criatura de olhos “hirtos e mortos”, a relação emocional não-unívoca de ambos

Sem querer, olhou para o quarto de Spalanzani; como de costume, Olímpia estava sentada diante da mesinha, os braços esticados, as mãos cruzadas. Era a primeira vez que Natanael contemplava o semblante de Olímpia, de maravilhosos traços. Apenas os olhos pareciam-lhe estranhamente hirtos e mortos. Mas à medida que a contemplava com mais cuidado, tinha a sensação de que dos olhos de Olímpia saíam úmidos raios d luar. Parecia que só agora o seu poder de visão fora estimulado; cada vez mais vivos flamejavam os seus olhares (pág. 135)

Natanael adapta seus olhos àquilo que busca; a insistência de Hoffman em frisar o fator coincidência nos olhares do jovem para Olímpia ressalta justamente o que está no subconsciente dele: a vontade, escondida de si mesmo, de buscar a aprovação silenciosa do autômato, de ressoar suas próprias verdades em algo (ou alguém) que se tenha certeza concordará com o que está sendo dito. O mecanismo é a ilustração desse ser, espelho narcísico, passivo, nessa “troca”.

A relação de dependência de Natanael com o mecanismo é tão grande e arraigada, que quando do quarto encontro, as cortinas estavam fechadas, ele permanece dias ininterruptos à janela, esperando que pudesse ver, e assim reiniciar o processo narcísico, Olímpia. O voyeurismo, presente no abrir e fechar das cortinas, é a encenação do desejo, que se esconde, necessariamente, para que haja carga de mistério em densidade suficiente e a fantasia perdure.

O amor obsessivo de Natanael é sustentado pela própria necessidade de se amar. Tão traumática foi a infância, condensada mais significativamente na morte do pai e na historieta do homem da areia, que qualquer indício de inverdade da “humanidade” de Olímpia lhe era rebarbativo. A aparição de Coppola traz à tona seus problemas infantis, que pautaram, provavelmente, toda a sua vida, mas ficaram à sombra de outras preocupações e traumas.

Essa postura anti-perceptiva se torna evidente na quinta aparição de Olímpia, na festa promovida por Spalanzani. O físico e os gestos, por mais que para ele fossem graciosos, eram estranhos aos demais. Os movimentos do autômato são ressaltados, assim como a certeza de Natanael de que ela também o amava. Mesmo que não a vissem como uma máquina, os demais convidados a notavam estranha e inerte aos acontecimentos exteriores, desligada e estúpida.

Ah! Agora podia perceber como ela o olhava com languidez e como seu olhar enternecido, que penetrava e inflamava todo o seu ser, exprimia antecipadamente cada nuance de seu canto. Seus trinados pareciam a Natanael o júbilo celestial do espírito transformado pelo amor, e quando finalmente a cadência do longo e último vocalise ressoou pelo salão, ele não pôde mais se conter e, como se estrangulado por dois braços apaixonados, exclamou extasiado: “Olímpia!” Todos se voltaram para ele, e muitos começaram a rir. O organista da catedral, porém, mostrou um rosto ainda mais sinistro do que o habitual e disse apenas: “Bem, bem!” (pág. 137).

O estranho, no texto de Hoffman representado pelo mecanismo, Olímpia, atua como espelho projetor do próprio subconsciente. O suicídio de Natanael é reflexo dessas projeções: seu tormento é oriundo do encontro consigo mesmo, do encarar-se pela primeira vez e enxergar a si próprio; como se por um binóculo, aquela realidade é específica e o leque se estende a múltiplas interpretações.



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pedaço de um trabalho de LitComp. 'eterna falta do que falar...'

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Post 46 - Ana Alencar e a felicidade clandestina: sensações de uma Teoria Literária tremeluzente.

Cabelos, mãos e caneta com ares franceses, sotaquezinho palpitando as artérias e aqueles olhos azuis que penetram nas sinapses e as cessam. Deixam-nas suspensas e apoiadas pela larguidão do sorriso pueril.

Colo bonito e acolhedor. A cadeira pede encarecidamente para ser utilizada. As paredes colocam os óculos para poder enxergá-la melhor. Aquarelas de Magritte e Monet surgem para tentar recriá-la, inutilmente. Ceci n'est pas une pipe, mais une des perfections littéraire. Et il est l'un des perfections humaines. Hu-mai-nes. Não sei separar sílabas em francês. Mas também Ana Alencar não foi feita para ser dividida. Justificado, pois.

Sartre ressuscita, abraçado com Beauvoir para ver Ana Maria Amorim de Alencar expirar contentamento pelas frestas e poros de seu corpo. Aninha é ólbos, eutychía, eudaimonía carnalizadas.

Flaubert, Gide e Baudelaire reúnem-se no corredor para vê-la passando com seu jeito miúdo e gigantesco; Kafka escreve uma carta ao pai relatando o processo de sua metamorfose após sentir a sua presença serotonesca, e Clarice Lispector digita uma quinta história a partir de um suddenly I see - ''her face is the map of the world.''




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Vontade de passar pela Champs Elyseés e cantarolar oubliè tes erreurs et tes peurs, je les efface...com direito a uma boina francesa para retirá-la quando aquele sorriso passar apoiado em colo de bailarina.

Post 45: Saiu. Tout à coup.

Tem algo instalado e estalando na garganta. Há algumas horas atrás, eu desconhecia. Agora, em um hoje-plus-que-parfait, continuo a não identificar. Linhas pontilhadas começam a se esboçar na frente dos antolhos que tirei há pouco.

É uma nitidez de pós-cirurgia ocular. Eu vejo, mas não enxergo. Ouço, mas não capto. Toco. E lembro.

Mas lembro de que, deuses? Três pontos.

Lembro da ignorância e subumanidade que existe in. Homines non sapientes sunt.
Foi somente estorieta.

Exijo a saída do labirinto. Almejo traços apolíneos, pois.






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E a Fernandinha, ἀγαπημένη μοῦ, vai pra Grécia. Só volta em Setembro. * λάκκος *

Post 44: Hélade e Helenistas.

Em uma noite de quinta-feira, pelos passares-de-tempo de julho, Mnemosýne trouxe até mim uma das efemérides mais significativas de todos os meus dias: a primeira semana na Universidade, mais precisamente as incipientes aulas de Grego Genérico.

A professora era algo pitoresco. Segundo o dicionário, “graciosamente original”. Sua voz estridente, porém chamativa, era uma das principais atrações da classe. Eu e um amigo, Guilherme, olhamo-nos e efetuamos uma comunicação mais por telepatia do que por lexias: “essa é a voz dela mesmo ou é sacanagem?”.

Não, não era sacanagem. Estava muito longe de ser, afinal, além dela ser professora de uma disciplina aparentemente tão exótica e hermética – hermética no sentido mais stricto sensu possível, isto é, relativo ao deus Hermes, o mensageiro -, ela ainda era evangélica. Definitivamente, não era sacanagem.

Pois bem. O choque inicial: o alfabeto grego. Aquilo me lembrava algo barroco. Mas me encantava: eu queria escrever tudo, absolutamente tudo com os caracteres gregos. Nas minhas folhas vinha escrito προφεσσορα αλεσσανδρα, ao invés de διδασκάλε ἀλέχανδρα. Um desastre voltado para a minha mais nova paixão.

Passada a fase inicial de alfabetização, vieram as declinações. Eu tinha uma ligeira impressão de que aquilo tudo causava asco nos alunos, mas não entendia o porquê. Aliás, entendia sim. Mas a simpatia da professora fazia com que os empecilhos helênicos não fossem tão poderosos assim. E nada me tira da cabeça que a voz também exercia algum papel fixador de nádegas naquela sala infestada de musas, daimons, deuses e...declinações.

Um ano se passou e o Grego continuou sendo a minha efeméride das quartas e sextas. Era uma sensação elástica, de ida e volta, volta e ida. Assim como na música de Alkistis Protopsalti, “Apéranto Kenó”: “sinexia fevgo makria sou kai olo erxomai - sempre distancio-me de você e volto inteiramente”.

Em finais de 2007, Alessandra Viegas, a “didaskále mou”, apresenta-me mais duas efemérides: Fernanda Lemos de Lima e Dulci Nascimento. Foi pá-pum. Empatia súbita que se transformou em uma admiração incontrolável. Como diria Theóphile Gautier: 'admirar é amar com o cérebro'. Apoiado, apoiado. Mas deixemo-nas nessas entrelinhas plenas de verbo agapáo para que uma outra crise de abstinência não venha à tona.

Falando em abstinência, ela chegou no início de 2008, com o término do curso de Grego Genérico. Eu havia de tomar alguma providência; caso contrário, tremores, visão turva e alucinações tomariam o meu corpo.

E tomei: fui assistir a algumas aulas de Grego Específico com a professora Tatiana Ribeiro.

Inicialmente, eu era só ouvinte, receptora de seus ensinamentos singulares. Mas através da extrema seriedade acadêmica e boa-vontade da mesma, acabei sendo inscrita e comecei mais uma graduação: a de Português-Grego.

Linhas pontilhadas foram surgindo sem nem eu mesma perceber. Uma paixão veio à tona, com a tempestade das ondas, e, agora, com a calmaria da maré, o amor vem chegando mansinho, mansinho.

A paixão dura dois anos. O amor, a vida inteira. E o Grego...ah, o Grego. Que Caos, Tártaro, Gaia e Urano conservem sempre as minhas musas para que a pira não se apague.

E ela não há de se apagar.

sábado, 17 de maio de 2008

Post 43: Sumiços são normais, mas...

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

(Hilda Hilst)

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Post 42: B.O. inexistente por falta de forças: uma normalidade.


O tênis chiou. Ou será minha cadela gritando de dor por eu ter pisado em sua patinha? Os sons abraçaram-se e eu me perdi. Sim; foi o tênis. Alívio recompensado por um beijo no pelo negro quase escasso.

Ela me olha surpresa e confusa. Meus olhos cruzam os seus numa linha pontilhada e vejo o símbolo da pergunta:?. Outro beijo. Parece que ela esqueceu a pergunta. Ainda bem. Também esqueci a resposta.

Dá-me uma sensação compressora e aliviante. Começo a entrar no pensamento do meu pensamento. Quero escrever. Quero viver. Quero minha literatura.

Meu corpo pede meu comprimido de êxtase: minha literatura. Não se importe com a repetição de palavras. Minha literatura. Normal, pois. Quero frisar meu vício. Minha literatura. Não quero ser apenas existencialista. Quero ser naturalista. Parnasiana. Realista. Modernista. Classicista. Barroca. Quero ser irregularidade pura no meu sangue escarlate.

Passo na praia. O mar me observa, mas não consigo enxergar os seus olhos. Incômodo. Mistério Alucinante. Poseidon egoísta e intimamente tímido.

Olho pro lado. Vendedor de coca-cola não agüenta mais gritar. Essa é a nossa Copacabana. Cansaço batendo. Osmose sofrendo. Calor assassino.

Ele vai até o mar mergulhar. Uma saída para o dia de verão sufocante. Deixa suas coisas na areia. Pouco longe, bastante perigo.

Peixes miúdos cruzam seu corpo. Moleque atentado cruza a praia levando o isopor. O homem vê e nada faz. Falta de forças. Barriga saliente. Corpo esgotado. Representação fragmentada de um übermensch.

Ele senta na areia e olha a azulidade preciosa. Não foi esta quem o roubou, camarada. Não o olhe assim. O mar está tímido e ocupado comigo.

M’en vais. Dia escurecendo, automóvel chegando e estudantes do Sacre-couer percorrendo a superfície. Vivendo no gerúndio, presenciado o particípio, que eu esteja no subjuntivo. Amém.

domingo, 27 de abril de 2008

Post 41: O pedaço que não me pertence.

Um belo dia de verão, pouco antes do crepúsculo, as borboletas voavam pelo ar abafado e úmido da grande cidade. Com os pés sujos de terra, a menina-sem-nome corria pelas ruelas do vilarejo, sentindo o vento no rosto e os cabelos voando como as borboletas. Pára, e então enxerga. E então vê. E então se aproxima.

E então se vê nítida naquela superfície lisa que refletia seu eu. Era bonita. Toma consciência de si mesma. Num delírio, a menina vira mulher, e seu nome parece então ter relevância. As borboletas passam batidas e o vento é só um adendo. Outros olhares, então. Lava os pés com o melhor sabonete, as correrias cessam, o vilarejo já é pequeno demais para suas ambições.

A avó que já não enxerga há tempos, mas ainda vê, sofre calada: “A vida”, resmunga.

(Uma saudação irônica à literatura e seus espelhos e suas reflexões, a Luciana que procura mais literariedade em mim e a ONA, minha musa inspiradora para esse post).

Post 40: Tributo às Baratas.



A quinta história chama-se “Leibnitz e a Transcendência do Amor na Polinésia”. Começa assim: queixei-me das baratas.

Sim, mas queixo-me mesmo da ausência delas. Após ostentar secretamente a placa de virtude da dedetização, sinto falta das baratas. Elas, que davam uma importância a mim mesma, – o assassinato é um ato de glória de per si - não existem mais. E, por conseqüência, meu ritual também não.

Mesmo um mestre Pangloss Voltairiano soprando ao meu ouvido que tudo está bem, tudo vai bem, tudo vai da melhor maneira possível, eu tenho que discordar. Necessito das baratas.

É porque tive uma epifania de trancendência do amor nesse período em que dedetizei minha casa e fui pra Polinésia. 3 dias. Uma tríade: pena-compaixão-amor. Sinto amor pelas baratas, estas que me davam um objetivo noturno, que estabeleciam uma relação entre organismos vivos e tremeluzentes entre o eu e suas massas brancas.

Tirei um pedaço de minha casa, de meu corpo, de minha rotina. A insônia minha de cada dia parece ter se intensificado. A culpa invade minhas sinapses e incorpora à serotonina. Matei baratas, sou assassina e virei uma estátua. Calcifiquei-me e a asfixia toma conta de minhas noites. Ah, as noites, a batida do mar há 50 metros de minha janela, insônia e...baratas. As baratas que não existem mais, ectoplasmas baratianos cercam o meu corpo. Ou pior: a minha mente. Vejo tudo marrom. Escuro. Baratas. Morte das baratas. Insônia. Culpa pecaminosa de uma escrivinhadora.

Não, Leibnitz. Agora não tem mais espaço para as suas utopias. Que François-Marie Arouet venha e o enterre com o seu cândido otimismo irônico. Em nome das memórias de minhas baratas mortas.


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O texto acima foi escrito a partir do conto "A Quinta História". LISPECTOR, Clarice. In: Felicidade Clandestina, p.147-150. Ed. Rocco, Rio de Janeiro - 1998.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Post 39: ...

O blog tá indo pra um lado pessoal não esperado (e com certeza não planejado). Quase um diário... tanto da minha parte como da da Luciana. Essa necessidade retumbante de sempre se expor e buscar algum tipo de aprovação, ajuda ou sabe-se lá o quê. Bola pra frente...

Ouvindo: Chasing Pavements - Adele
Lendo: "Verão no Aquário", Lygia Fagundes Telles.
Sofrendo: o de costume.



Paciência nula até pra tentar escrever alguma coisa concreta por aqui... chega de culpar o tempo! A culpa é minha mesmo.



Aquela vontade absurda de sumir, compreende?

terça-feira, 22 de abril de 2008

Post 38: Ingressão de ar pra poesia.

Vivo no agora-único sob os alicerces de uma acústica tremeluzente. Três parâmetros engessam e dinamizam – por mais paradoxal que seja, mas sinto em informar que é assim – o correr de minhas substâncias: uma duração latina que altera os significados dos meus pressupostos; uma intensidade pseudo-permanente que contrasta e tonifica as minhas neurastenias – a partir de um nada aparente, vem de dentro, bem de dentro, um magma humano querendo vozear as sensações, gritá-las para logo depois enfraquecê-las por falta de pressão subglótica -; e, finalmente, uma freqüência fundamental advinda dessa minha tensão vocálica, gritálica.

Freqüência? Sei, sei. Sim, freqüência! Freqüêêêência... Não importa mais o sistema cartesiano de minhas entoações. Só se consegue perceber um jogo maniqueísta entre assertivas e indagações no cosmos infiel, visto sob um prisma de dois tipos: um agudo, estridente e outro grave, bem colado à superfície.

Como diria Lispector, não é a vida que superexige da gente, mas é a gente que superexige da vida. Seria cômodo internalizar a simplicidade vital, mas é da natureza humana tentar complicar os fatos para dar um quê de glória aos seus atos cotidianos. É instintivo do indivíduo de 32 cromossomos metaforizar a sua existência a uma freqüência fundamental, sentir-se, pelo menos uma vez na vida, o mais baixo componente de uma onda sonora complexa.

Aí você vem e me diz: “É. E?”. Tudo bem, Hertzinho metido à besta. A impossibilidade do ouvido humano de identificar essas suas freqüências formânticas me consola. As únicas coisas que eu posso fazer pela sua falta de entrelinhas e calcificação de derme são: abrir ao máximo a minha cavidade oral e bocejar, colocar a 180 graus o ápice da língua e me despedir de vossa senhoria com um arredondamento de lábios à distância, produzindo um ligeiro e irônico clique – muack.

Beijonãomeligaporquevocênãotemingressão

dearprapoesia.


sexta-feira, 18 de abril de 2008

Post 37: Desabafo-rápido

"Ninguém venha me dar vida,
que estou morrendo de amor,
que estou feliz de morrer,
que não tenho mal nem dor,
que estou de sonho ferido,
que não me quero curar,
que estou deixando de ser,
e não quero me encontrar,
que estou dentro de um navio,
que sei que vai naufragar,
já não falo e ainda sorrio,
porque está perto de mim
o dono verde do mar
que busquei desde o começo,
e estava apenas no fim.
Corações, por que chorais?
Preparai meu arremesso
para as algas e os corais.
Fim ditoso, hora feliz:
guardai meu amor sem preço,
que só quis quem não me quis."


(Cecília Meireles)

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O mundo (o meu, pelo menos) anda girando em torno de preocupações acadêmicas, histórias alheias e vontades roubadas. É um buscar o que buscar incessante. Perdendo o hoje com a certeza de que o amanhã será apenas mais um dia.
Sorte que nunca é tarde para voltar atrás e recolher o que foi perdido. Salve!

Sem melancolias...

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Post 36: Sobre horóscopo, acreditar e Gil.

Sol na casa 7, lua na casa 1

17/04 (hoje) às 19h23 a 20/04 às 17h57

Eis que a Lua torna-se cheia, formando uma oposição ao Sol, no eixo 1/7 do seu mapa astrológico, entre os dias 17/04 (hoje) às 19h23 e 20/04 às 17h57, Guilherme. Estes serão dias delicados, onde a palavra-chave é ajuste dos relacionamentos: quem sou eu e quem é o outro? Até que ponto eu vejo o outro como outra pessoa, até que ponto perco a objetividade e o vejo como um espelho de mim? Todos nós tendemos a projetar coisas de nossas almas sobre as outras pessoas, em maior ou menor grau, e em alguns momentos específicos. Convém, Guilherme, neste momento, você avaliar melhor se aquilo que você tanto critica ou elogia em seu próximo está realmente no outro ou se é algo seu que se encontra projetado. Este pode ser um maravilhoso momento de complementaridade, em que surge alguém com as peças que faltavam para você montar um quebra-cabeças, mas pode também ser um momento de confronto, em que dolorosamente alguém lhe enfia o dedo na ferida.

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Seria ingenuidade acreditar em uma coisa que nunca deu certo antes?

De útil mesmo, essas coisas transcendentais sempre me lembram "Esotérico" do Gilberto Gil.



(Ai, ai... )

terça-feira, 15 de abril de 2008

Post 35: Anseios pseudo-triviais.

Eu decidi que, a partir de hoje, a vermelhidão viva e tremeluzente das concretudes é minha. O ego precisa reconhecer-se, dar um grito na decrepitude de um dixhuitième vigésimo primeiro e decretar um novo século das luzes interior.

Sinto falta de personagentes. Somente enxergo ficções e ficcionalizações de tudo, todos e todrem. A inércia alheia perambula conosco, caracterizando ectoplasmas encostados.

Quero ver uma água viva, uma descoberta do mundo, uma veia no pulso e aprender a viver com a paixão segundo G.H. Descobrir os mistérios de coelhinhos pensantes, ter acesso às vidas íntimas de Lauras e sempre, sempiternamente, ficar perto de corações selvagens.

Seria interessante ter um processo de metamorfose, escrever uma carta ao pai perguntando o porquê do cosmos.

Preciso de um otimismo cândido e, ao mesmo tempo, de uma sensibilidade, um subjetivismo rousseauísta. De uma mímesis aristotélica que se faz necessária na divisão dos meus mundos, na minha linha khorismótica.

Uma rotina com espécies de Medéia ao meu lado para que os antídotos e a cura para as enfermidades pseudo-civilizatórias fossem descobertos, uma esfinge que me desse um enigma para ser desvendado na busca de meu próprio caráter Édipo, Macabéas me esperando em cartomantes e uma poética eterna nos meus poros precisam ser avidamente procurados, a fim de que um SER seja.

O que eu queria mesmo é poder chamar Platão pra um botequim e esfregar na pele o arrepio que os poetas causam naqueles que abrem as portas da sua Tróia interior.

Está bem, Morus. Vamos. Eu sei que é utopia. Mas é exatamente ela a responsável pela plasticidade dos dedos róseos da minha aurora.

Post 34: À espera de um devir.

, e essa tal de inspiração que alimenta um ciclo vicioso. Sim, vício. O escrivinhador absorve o externo para transformar em um interno, e o que vem de dentro entranha-se no que é de fora.

Inspira-se o ar, a melodia, o aroma, as cores. É um fluxo de sinestesia que constitui a arte. De dentro pra fora, de fora pra dentro; de fora pra dentro, de dentro pra fora.

Paro e percebo. Jogo pra mente. Isso, com o “o” aberto. Sinto um zuvoên sináptico, uma balbúrdia de neurônios querendo absorver. Inspirar para depois expirar. Traga-se a dinamicidade e a estaticidade para que um it ou um ed seja efetivado.

Eu queria escrever sobre baratas ou marimbondos. Mas o meu ato de tragar de hoje foi tão influenciado por uma quinta história clariceana que eu me sinto dedetizada. Não há. Não há em função de uma ausência. Não há devido ao um não haver.

Estou estática, sem ações determinantes nem ao menos determinadas. No atual momento, preservo-me em um dos melhores mundos possíveis. E não adianta surgir um ser voltairiano querendo me ironizar com um Pangloss da vida.

Nesse instante, sirvo a Leibniz. Por pouco tempo, eu sei. As dramatizações e reclamações são inerentes ao ser humano. Não serei, agora, exceção.

Recolho-me no meu El Dorado à espera de um devir. Com licença.

domingo, 13 de abril de 2008

Post 33: Sobre Bette Davis

A filmografia de Bette Davis percorre todas as possibilidades de estilos cinematográficos hollywoodianos. De magníficos dramas como “Vitória Amarga”, perpassando textos clássicos como “Dama por um Dia”, a filmes de grandiosidade imensurável para o cinema americano e mundial (“A Malvada”, “Baby Jane”, “Jezebel”, só pra citar alguns).

Ao contrário de grande parte das estrelas da época, venceu majoritariamente pelo talento (já que a beleza, comparada a outras atrizes, lhe faltava); não foi Scarlett O’Hara, mas foi a genial Margo Channing. Papel fundamental também teve na relação entre os estúdios e os artistas: não se prendeu a contratos que levavam freqüentemente ao fim da carreira. Sua independência a libertava da obrigatoriedade de atuar em filmes determinados pelos estúdios (que eu saiba só Garbo tinha suas decisões acatadas... e olhe lá) e permitia a escolha de papéis com o qual mais se identificasse.

Quando ninguém mais a queria, a coragem lhe fez oferecer seus serviços em um anúncio de jornal. O mesmo sentimento foi combustível que a levou a contracenar em “Baleias de Agosto”, pouco antes de sua morte. Não escondia seus desafetos (Joan Crawford e Faye Dunaway, por exemplo), nem a vontade de ter ganhado, segundo ela, “pelo menos mais três Oscar”, além dos dois que já tinha.

De uma carreira de mais de 60 anos, milhares de fãs, uma música em sua homenagem, filmes que abarcam uma variedade imensa de assuntos e uma personalidade tão forte que ainda é possível ouvir seu ressoar. E no centenário do seu nascimento, uma infinidade de matérias e crônicas vem saudar aquela que talvez seja a maior atriz de todos os tempos (eu disse “talvez”). Nada mais merecido.

A adúltera, a assassina, a mendiga, a estrela de cinema esquecida, a mãe cruel... O melhor papel de Ruth Elizabeth Davis foi, definitivamente, o de Bette Davis. Durante 82 anos.

Obs.: mais filmes dela precisam ser lançados em DVD.

Post 31: Não escapo.

I

Fica com meu silêncio, então. Guarda num baú velho, põe tuas fotos sobre a minha boca te assegurando que eu me cale. Esquece tua piedade. Engole minha dor vaga, e deixa vaga uma lacuna nessa caixa de madeira pra tua crueldade.

II

Fica com minha esperança, então. Guarda no teu peito essa memória, põe tua mão sobre meus olhos te assegurando que eu não te veja. Esquece tua moral. Engole minha vontade lúcida, e deixa lúcida nessa caixa pulsante tua vontade.

III

Fico com o teu gosto na minha boca e com teu futuro nos meus olhos.

domingo, 6 de abril de 2008

Post 30: Sobre tentativas.

O blog ficou um pouco largado... a culpa é minha. Falta de imaginação e tempo. Pra movimentar (um pouco que seja) as coisas por aqui, uma clara tentativa de fazer uma poesia. Explicando um pouco a proposta da tia Cinda Gonda: trabalhar emcima do tema "." (é e não é um ponto, na verdade... é o que a sua imaginação quer que seja). Aliás... tenta também. É uma experiência libertadora.



Brilha um ponto por entre minha janela
que me lembra da saudade de ter saudade
dos caminhos sinuosos da tua boca
e das vontades tão minuciosamente sonhadas.

Brilha um ponto por entre minha janela
que me lembra de te ser fiel por toda a eternidade,
que me faz inerte ao mundo e as vontades do destino.

De sonhar, querida, sobrou o pó sobre teus objetos esquecidos.
sobrou tuas cartas queimadas
e os fragmentos de alguém que sonhava.
sobrou teus erros
e tua vontade relutante de fingir ser.

Hoje, vivo em lapsos.
Lembro, não sinto saudade.
Quanto a ti: pensa-te. E aceita.

sábado, 29 de março de 2008

Post 29: A traição das imagens.


René Magritte, pintor de origem belga, surrealismo e ilusionismo correndo nas veias e nos neurônios de gênio do século XIX.

A obra “La trahison des images” é uma das mais intrigantes do artista em questão: apresenta a imagem de um cachimbo, todavia com uma espécie de legenda dizendo que aquilo não é o que parece. “Ceci n'est pas une pipe”, cuja tradução é “isto não é um cachimbo”.

Em âmbito estético, a pintura apresenta uma linearidade de cores. Estas estão em um mesmo plano tonal: o marrom e o preto, ou seja, a predominância de um matiz escuro constitui a obra.

A traição das imagens. Uma expressão intimamente Platônica, convenhamos. As aparências, τὰ φαινόμενα, agindo como um engodo em relação à sociedade, o conceito de αλὴθεια sendo execrado por uma representação, enfim, a arte focada por uma óptica imaterial, sem sentido e sem serventia para o homem, visto o teor prescritivo do discurso de Platão.

Para ele, a arte deveria se encaixar em uma relação triádica entre o justo, o belo e o bom – o princípio de καλοκαγαθία. Todavia, se ela tem um caráter enganador, falso, não deveria existir, já que transviaria o objetivo da παιδεία. E como a παιδεία platônica valorizava a razão, não haveria espaço para a presença dos mitos e abstrações artísticas.

O artista insiste na negação da aparência. Afinal, não se pode utilizar um cachimbo “representado”, pintado, imitado. A arte seria uma reprodução da εἱδός, de uma Idéia prototípica.

Magritte esvazia o recheio de uma realidade nessa obra; a materialidade, o físico é refutado por uma frase. Uma expressão é responsável pela quebra de perspectivas estéticas e visuais: N'est pas. É uma luta contra a tendência ilusória dos olhos, um rompimento da sensibilidade inconsciente.

Parafraseando Michel Haar sobre o pensamento platônico acerca do ideal de mimesis, “a imagem artística não é mais que um reflexo do num espelho, uma ilusão sem substância.” Mas o que é mais curioso é que essa ilusão sem substância é que dá a concretude do momento, promove o processo de assimilação e reminiscências, faz com que as sinapses cerebrais aumentem a velocidade, tudo isso pelo simples prazer. O prazer aristotélico de uma representação natural, ilimitada.

É melhor preferir o impossível que é verossímil ao possível que é inacreditável.” Apoiado, Aristóteles.


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αλὴθεια
(alètheia) - aquilo que não é esquecido; verdade.
καλοκαγαθία
(kalokagathía) - princípio do bem e da beleza, bastante utilizado na literatura homérica e de grande valor na cultura artística ocidental.
παιδεία
(paidéia) - modelo de educação.
εἱδός
(eidós) - Idéia.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Post 28: Sobre os dias (tardes e almoços) com a Martina.

Deixando as divagações de lado...

A amizade está nas demonstrações mais simples e espontâneas de afeto. É bom não ter momentos específicos e prezar todo o tempo que ela esteve (está e estará) presente. Acho que uma boa amizade consiste nisso: a validade de tudo (até as povas e o latim).

Perguntando qual a próxima aula ou rindo do "velhinho que morreu na própria cama" e do pobre despojado, os dias passam com uma rapidez que traz saudade da lentidão do ócio. Saudade prematura. Saudade da "família": tão díspares e tão complementares. E eu achando que tinha encontrado todas as pessoas fundamentais na minha vida (pensando como um velho, sempre), sem imaginar a "reviravolta" de pensamento e atitude que uma faculdade (que não estava nos meus planos) faria em mim. O mérito da mudança não é só da Martina, mas das outras meninas também... elas ficam pra outro dia. Today is Tina's day.

"Retribuição" não é a palavra certa e muito menos o motivo de eu escrever sobre/para ela hoje. Mas sabe quando alguém consegue fazer seu dia feliz sem querer? Hoje ela me fez feliz, e nem sei se percebeu como o que ela disse me afetou de maneira positiva (aposto que não). Em meio a toda bobeira e a risada de todos os dias, há uma sutileza e uma pureza de sentimentos e demonstrações que não se limitam a palavras e não buscam qualquer interesse. Ela simplesmente está ali: tomando café ou andando avoada pelos corredores.

Ah... Martina, obrigado! Amo você.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Post 27: Rotina letrada de uma Póvoa.

Pegando o gancho do post sobre rotina do Guilherme:


Os dias naquela faculdade de Letras são realmente pitorescos e encantadores.

Às segundas, lapidar a alma e o cérebro com Constança Hertz e suas comparações magistrais entre história, arte e literatura e aplaudir de pé a experiência e a docilidade latina da Cecília Araújo.

Às terças, acordar ao som imaginário de “La vie em rose”, piafiana, para encontrar a azulidade preciosa da Juliana Novo e absorver, agradavelmente, – sim, lingüística tornou-se algo suportável pra mim – a docilidade ocular de Chomsky e apreender a classe e inteligência sublimes da Ana Alencar durante 4 tempos.

Às quartas, tentar não se desesperar com Silvia Rodrigues. Esse é o lema do Português 3: “Laissez-faire, Laissez-passet, le monde va de lui même.” Acho que só sendo muito iluminista pra tentar não se impacientar com tal suplício. O que alivia é a amabilidade e simpatia da Silvia. Caso contrário, seriam encontrados vários corpos no vão do terceiro andar do bloco H.

Às quintas, novamente ouço imaginariamente Edith Piaf me acordando: a claridade acompanhando o giz na H-212.

Às sextas, a minha paixãozinha de cada dia: Grego. Absolutamente sem adjetivos existentes nos princípios da Língua Portuguesa para caracterizá-lo.

Aulas à parte, O CORREDOR. É um tal de sincretismo, samba-do-crioulo-doido. Encontra-se latinistas, literatos, lingüistas, estudantes de hebraico, árabe, inglês, alemão e blablabla. Danielle Corpas tomando café e fumando seu cigarrinho, Eleonora Ziller com cara de quem já tá preparada pra revolução, Alberto Pucheu e seu inseparável Caio Meira com cara de quem tá esperando Platão reencarnar, Dinah Callou com aquela expressão blasé de “humpf! Quem são vocês, meros graduandos inúteis?”, Maluh Guimarães sendo alvo dos paparazzi, enfim, a Letras.

Guilherme sendo odiado, eu sendo sei-lá-o-quê, adorável Martina com cara de “ahn? Onde estou?”, Maline filosofando maravilhosamente, e Juliana com raiva de uma certa latinista cruel (assino embaixo).

Ah! E como poderia esquecer de CC? Aquela que transformou o primeiro período em uma incógnita, em um desespero coletivo.

Mas o que mais dá cor àquela faculdade é o pão-de-queijo com cafezinho pingado. Fato consumado. E, é claro, a fumaça nicotinada da minha estimada Danielle Corpas. Eterna. Diva. Literata.

Post 26: Morpheu + edredon = diazinho este.

Esse dia nasceu pra ser curtinho. Mas ele relutava em relação a sua aparente correria temporal. A chuva facilitava o processo, era o input de tal ilusão. O dia nasceu pra ter vinte e quatro horas, mas esse era diferente. Sensação corrida e inerte.

Esse dia era acinzentado. Gosto de guarda-chuva. Cheiro de água no asfalto. Pessoas estampando na face o desânimo inerente ao espírito pluvial das correntezas sonolentas matutinas.

O ponto-de-ônibus com seus braços cruzados. Pernas tensionadas. Um friozinho psicológico batia, sem explicações. Estava abafado, mas a chuva transforma e transvia sensações.

Hoje é dia de amálgama de Morpheu com edredon. E de cronicazinha curta. Só pra tirar o excesso de divagações dessas minhas sinapses infiéis.

sábado, 22 de março de 2008

Post 25: Sobre convicções, dúvidas, riscos e piedade.

Convicções são suficientes para se calcar um objetivo, e tê-lo como meta. Dúvidas são suficientes para que essa jornada se torne menos impossível (e até mesmo menos ingrata). Mas até que ponto chegar para que suas ideologias sejam preservadas e, assim, evitar um ideal estático e plástico?

*

É fácil viver no limiar e se fechar a qualquer risco, negando a validade de propósitos e aspirações que não sejam ou que apenas não comunguem da mesma raiz lógica dos seus. Viver temerariamente me assusta: a possibilidade da perda e da falta de opções são as razões de uma insônia constante. Evitar as pedras do caminho pode ser a opção mais cômoda, mas não é a mais acertada (essas metáforas-clichê são odiosas, mas...).

A máxima de que quem mais arrisca mais ganha, e por conseqüência sente menos as perdas, é inegável. “Arriscar” é uma banalidade hoje em dia: virou desculpa para determinados atos e, em relação a alguns dogmas, perdeu o caráter social e libertário. Duas mulheres, por exemplo, com papéis familiares totalmente opostos (uma é dona-de-casa e a outra independe do marido), lidarão de maneira diferente com uma traição: a primeira perde tudo (mesmo que ela permaneça no relacionamento) já que apostou suas fichas em apenas um aspecto dentre infinitas possibilidades de “como se viver”. Previsível.

O X de toda a história (e do exemplo fraco) é a conduta da segunda mulher: ter estabilidade financeira e ter sido traída não faz dela uma guerreira invencível (mesmo que ela acredite nisso) cujas culpas e atos irresponsáveis serão perdoados. Sem fazer nenhuma generalização, é inerente ao homem a busca por piedade quando se está “por baixo”. Piedade, porém, não é liberdade (eu ia fazer uma explicação bonita sobre o sufixo -dade... mas deixa pra lá!).

Simplificando a idéia complicada: ser livre ou não ter nada (aparentemente, as únicas opções) levam a loucura. O mundo é dos insanos.

*

Seguir em frente ou mudar radicalmente os planos? Dúvida.

terça-feira, 18 de março de 2008

Post 24: Sobre rotina e saudade.

E as aulas e a rotina voltaram: esnobar lingüística, odiar latim, comer no CETEM sem motivo (e também o macarrão do CT), rir, encontrar a Dostô na biblioteca, falar mal dos banheiros, topar com a Callou, colar, ver a Ju assitir Latim mais uma vez, venerar a Eleonora e ouvir a Bia e a Martina falarem do Pucheu. Endeusar a Malu, ler “Gêneros Literários” (hahahahaha), falar de cinema, ir de ônibus com a Pamela, voltar de ônibus com a Pamela, ouvir a Póvoa falar de seus amores e decepções no corredor, entrar em qualquer aula, aproveitar o breakfast dos congressos que nós não pagamos nem assistimos (saudade dos da anglo-germânica), dizer que a CC tá gorda, inventar apelidos, encontrar a Marilyn, comer pão de queijo e tomar café, não saber onde estão meus filmes (é verdade que a maioria deles está com a Luciana), ter papos televisivos com a Maline, dormir em qualquer canto, falar de amor, falar dos outros, falar da vida, falar dos planos, falar de tudo.

Saudade dessa rotina que um dia vai ser só saudade.


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Nada muito interessante pra dizer...

segunda-feira, 17 de março de 2008

Post 23: Distração mais-que-perfeita.

E tudo começou por uma distração. Não havia algo para ser feito, o tempo seria desperdiçado de uma forma imperdoável. E não seria um tempo de duas horas, mas sim um de cinco meses.

Uni-du-ni-tê: eu escolheria uma das duas salas. Optei pela segunda. Meu sexto-sentido, como sempre, sendo meu companheiro indispensável de todos os dias.

E lá estava. A apresentação, eu havia perdido. Não sabia, inicialmente, o nome, de onde vinha, nada. Nem dali eu era. Estava me comportando como um ectoplasma de uma amiga minha. Depois as informações foram chegando, paulatinamente. Fiquei sabendo, inclusive, que Ela tinha facilidade de armazenar cálcio no corpo e, por isso, tinha de beber muita água. Agora, sim, está explicada a origem daqueles olhos marítimos, capitolinos. Água que errou o caminho, resultando numa íris de pincel.

Meu cérebro só conseguia fazer sinapse direcionada: “SIGA, SIGA, SIGA; casa, casa, casa.” Precisava chegar logo em casa para fazer uma alteração não somente de Lingüística, e, sim, uma modificação urgente de dínamo: é possível aliar prazer a uma disciplina que era, inicialmente, o calo do meu pé. Seriam cinco longos ou curtos meses, dependendo do ponto crucial da situação: Ela ou ela.

As abordagens eram feitas de uma forma magistral. Sim, a magistra estava transformando o meu ponto fraco acadêmico em uma abstração sublime. Soubliá: pontada. Era só isso o que eu sentia. Pontada.

A mousa de Chomsky, a Helena gerativista, a Palas Atena da Sintaxe. O princípio saussureano da linearidade da língua agia como um aedo ou rapsodo, cantando poeticamente.

Foi assim: pá-pum! Enpathía. “Ad-miração” indo na onda da imutabilidade do signo.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Post 22: Sobre Poesia (II)

Aniversário


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!



Fernando Pessoa


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Para uma grande professora!

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Post 21: Desapega, meu bem!

Se tem algo que me deixa com um certo vilipêndio nas costas, esse algo são as queixas em excesso. Sabe aquela pessoa que vive reclamando da sua vidinha medíocre, das pessoas ao seu redor, do comportamento da sociedade para com ela? Pois então, isso deixa os meus alicerces completamente desestruturados.


Uma pitada de raiva, contagem até 20 e, pra fechar, a minha tão amável companheira de todos os dias, juntamente com seu esposo: indiferença e desprezo.


E a gente se mostra indiferente, despreza, não dá trela, mas mesmo assim a criatura continua usando os seus antolhos, não enxergando a carinha irônica de “ah, jura? Coitadjénha!” do seu interlocutor tão interessado em conseguir uma vaguinha no céu. Acho que comprar indulgências seria mais fácil, hein.


“Era na verdade um olhar profundo e desesperadamente triste, com o qual traduzia um desespero calado, de certo modo irremediável e definitivo, que já se transformara em hábito e forma.”¹ É, queridinho. Hesse conseguiu entender você, tá vendo? Essa mania de queixar-se de tudo virou seu hábito, mon amour. Agora já que você viu que Hesse te entende, vá em um centro espírita e tenta contato com ele. Fica a dica, colega.

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¹ “O lobo da estepe”. HESSE, Herman. Pág.19 Ed.Record.

Post 20: Sobre o Oscar e outros prêmios.

Alongando-me um pouco mais no assunto Oscar... Vou me ater nos prêmios de interpretação... há um bom tempo a Academia não é tão justa. Dizem que com a greve dos roteiristas, os votantes conseguiram, de fato, assistir aos filmes indicados.

Melhor ator foi barbada total: Daniel Day-Lewis é um dos melhores atores da atualidade e as interpretações dos seus concorrentes não chegam aos pés da dele (aliás, já devia ter outro por "Gangues de Nova York"). Só senti falta do Ryan Gosling, por "Lars and the Real Girl", entre os indicados. Barbada semelhante na categoria dos coadjuvantes: Javier ganhou, como esperado (também já devia ter um na estante, por "Antes do Anoitecer"). Uniu-se, nos dois casos, a vontade da Academia de se "desculpar" por um erro anterior e duas ótimas interpretações. Coincidência talvez.

A melhor atriz também foi premiada. E eu duvidei muito disso. Dava uma mão pela vitória da Julie Christie... veterana que volta em grande estilo ao cinema? Eles adoram. E ela já havia ganhado o Globo de Ouro e o SAG. Mas Marion mereceu. Em relação a categoria mais disputada do ano, atriz coadjuvante, TODAS as interpretações eram dignas de prêmio. E deu Tilda. "Barbada". Explicação: os votos se dividiram entre Cate Blanchett e Ruby Dee. Tilda correu por fora e cresceu nas últimas semanas ao ganhar o BAFTA. Eu cantei a bola... e acertei.

Discordo dos que defendem a não-validade de um prêmio como o da Academia. Sendo um prêmio americano, a tendência é que filmes/atores/produções americanos(as)/ingleses(as) vençam. Óbvio que existem falhas na história da premiação ("Rocky", Halle Berry, Martin Scorcese ganhando pelo filme errado, etc), mas o valor de um homenzinho dourado é de extrema importância na indústria hollywoodiana. Eles vão deixar de premiar Gwyneth Paltrow? Claro que não. E por quê? Ela precisa dele mais do que a Fernanda Montenegro, mesmo que não tenha o melhor desempenho. Ela vai ser responsável pela renovação do cinema americano. Como, com certeza, Kate Winslet e Julianne Moore ganharão um dia e Meryl Streep ganhará outro... Eles apostam, homenageiam e investem.

Em relação ao festival de Berlim e "Tropa de Elite": nada a se comemorar. A exaltação do filme seguiu a tendência do festival de premiar obras não-conhecidas. Tão político quanto o Oscar.