René Magritte, pintor de origem belga, surrealismo e ilusionismo correndo nas veias e nos neurônios de gênio do século XIX.
A obra “La trahison des images” é uma das mais intrigantes do artista em questão: apresenta a imagem de um cachimbo, todavia com uma espécie de legenda dizendo que aquilo não é o que parece. “Ceci n'est pas une pipe”, cuja tradução é “isto não é um cachimbo”.
Em âmbito estético, a pintura apresenta uma linearidade de cores. Estas estão em um mesmo plano tonal: o marrom e o preto, ou seja, a predominância de um matiz escuro constitui a obra.
A traição das imagens. Uma expressão intimamente Platônica, convenhamos. As aparências, τὰ φαινόμενα, agindo como um engodo em relação à sociedade, o conceito de αλὴθεια sendo execrado por uma representação, enfim, a arte focada por uma óptica imaterial, sem sentido e sem serventia para o homem, visto o teor prescritivo do discurso de Platão.
Para ele, a arte deveria se encaixar em uma relação triádica entre o justo, o belo e o bom – o princípio de καλοκαγαθία. Todavia, se ela tem um caráter enganador, falso, não deveria existir, já que transviaria o objetivo da παιδεία. E como a παιδεία platônica valorizava a razão, não haveria espaço para a presença dos mitos e abstrações artísticas.
O artista insiste na negação da aparência. Afinal, não se pode utilizar um cachimbo “representado”, pintado, imitado. A arte seria uma reprodução da εἱδός, de uma Idéia prototípica.
Magritte esvazia o recheio de uma realidade nessa obra; a materialidade, o físico é refutado por uma frase. Uma expressão é responsável pela quebra de perspectivas estéticas e visuais: N'est pas. É uma luta contra a tendência ilusória dos olhos, um rompimento da sensibilidade inconsciente.
Parafraseando Michel Haar sobre o pensamento platônico acerca do ideal de mimesis, “a imagem artística não é mais que um reflexo do num espelho, uma ilusão sem substância.” Mas o que é mais curioso é que essa ilusão sem substância é que dá a concretude do momento, promove o processo de assimilação e reminiscências, faz com que as sinapses cerebrais aumentem a velocidade, tudo isso pelo simples prazer. O prazer aristotélico de uma representação natural, ilimitada.
“É melhor preferir o impossível que é verossímil ao possível que é inacreditável.” Apoiado, Aristóteles.
αλὴθεια (alètheia) - aquilo que não é esquecido; verdade.
καλοκαγαθία (kalokagathía) - princípio do bem e da beleza, bastante utilizado na literatura homérica e de grande valor na cultura artística ocidental.
παιδεία (paidéia) - modelo de educação.
εἱδός (eidós) - Idéia.