domingo, 27 de abril de 2008

Post 41: O pedaço que não me pertence.

Um belo dia de verão, pouco antes do crepúsculo, as borboletas voavam pelo ar abafado e úmido da grande cidade. Com os pés sujos de terra, a menina-sem-nome corria pelas ruelas do vilarejo, sentindo o vento no rosto e os cabelos voando como as borboletas. Pára, e então enxerga. E então vê. E então se aproxima.

E então se vê nítida naquela superfície lisa que refletia seu eu. Era bonita. Toma consciência de si mesma. Num delírio, a menina vira mulher, e seu nome parece então ter relevância. As borboletas passam batidas e o vento é só um adendo. Outros olhares, então. Lava os pés com o melhor sabonete, as correrias cessam, o vilarejo já é pequeno demais para suas ambições.

A avó que já não enxerga há tempos, mas ainda vê, sofre calada: “A vida”, resmunga.

(Uma saudação irônica à literatura e seus espelhos e suas reflexões, a Luciana que procura mais literariedade em mim e a ONA, minha musa inspiradora para esse post).

Post 40: Tributo às Baratas.



A quinta história chama-se “Leibnitz e a Transcendência do Amor na Polinésia”. Começa assim: queixei-me das baratas.

Sim, mas queixo-me mesmo da ausência delas. Após ostentar secretamente a placa de virtude da dedetização, sinto falta das baratas. Elas, que davam uma importância a mim mesma, – o assassinato é um ato de glória de per si - não existem mais. E, por conseqüência, meu ritual também não.

Mesmo um mestre Pangloss Voltairiano soprando ao meu ouvido que tudo está bem, tudo vai bem, tudo vai da melhor maneira possível, eu tenho que discordar. Necessito das baratas.

É porque tive uma epifania de trancendência do amor nesse período em que dedetizei minha casa e fui pra Polinésia. 3 dias. Uma tríade: pena-compaixão-amor. Sinto amor pelas baratas, estas que me davam um objetivo noturno, que estabeleciam uma relação entre organismos vivos e tremeluzentes entre o eu e suas massas brancas.

Tirei um pedaço de minha casa, de meu corpo, de minha rotina. A insônia minha de cada dia parece ter se intensificado. A culpa invade minhas sinapses e incorpora à serotonina. Matei baratas, sou assassina e virei uma estátua. Calcifiquei-me e a asfixia toma conta de minhas noites. Ah, as noites, a batida do mar há 50 metros de minha janela, insônia e...baratas. As baratas que não existem mais, ectoplasmas baratianos cercam o meu corpo. Ou pior: a minha mente. Vejo tudo marrom. Escuro. Baratas. Morte das baratas. Insônia. Culpa pecaminosa de uma escrivinhadora.

Não, Leibnitz. Agora não tem mais espaço para as suas utopias. Que François-Marie Arouet venha e o enterre com o seu cândido otimismo irônico. Em nome das memórias de minhas baratas mortas.


________________________________

O texto acima foi escrito a partir do conto "A Quinta História". LISPECTOR, Clarice. In: Felicidade Clandestina, p.147-150. Ed. Rocco, Rio de Janeiro - 1998.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Post 39: ...

O blog tá indo pra um lado pessoal não esperado (e com certeza não planejado). Quase um diário... tanto da minha parte como da da Luciana. Essa necessidade retumbante de sempre se expor e buscar algum tipo de aprovação, ajuda ou sabe-se lá o quê. Bola pra frente...

Ouvindo: Chasing Pavements - Adele
Lendo: "Verão no Aquário", Lygia Fagundes Telles.
Sofrendo: o de costume.



Paciência nula até pra tentar escrever alguma coisa concreta por aqui... chega de culpar o tempo! A culpa é minha mesmo.



Aquela vontade absurda de sumir, compreende?

terça-feira, 22 de abril de 2008

Post 38: Ingressão de ar pra poesia.

Vivo no agora-único sob os alicerces de uma acústica tremeluzente. Três parâmetros engessam e dinamizam – por mais paradoxal que seja, mas sinto em informar que é assim – o correr de minhas substâncias: uma duração latina que altera os significados dos meus pressupostos; uma intensidade pseudo-permanente que contrasta e tonifica as minhas neurastenias – a partir de um nada aparente, vem de dentro, bem de dentro, um magma humano querendo vozear as sensações, gritá-las para logo depois enfraquecê-las por falta de pressão subglótica -; e, finalmente, uma freqüência fundamental advinda dessa minha tensão vocálica, gritálica.

Freqüência? Sei, sei. Sim, freqüência! Freqüêêêência... Não importa mais o sistema cartesiano de minhas entoações. Só se consegue perceber um jogo maniqueísta entre assertivas e indagações no cosmos infiel, visto sob um prisma de dois tipos: um agudo, estridente e outro grave, bem colado à superfície.

Como diria Lispector, não é a vida que superexige da gente, mas é a gente que superexige da vida. Seria cômodo internalizar a simplicidade vital, mas é da natureza humana tentar complicar os fatos para dar um quê de glória aos seus atos cotidianos. É instintivo do indivíduo de 32 cromossomos metaforizar a sua existência a uma freqüência fundamental, sentir-se, pelo menos uma vez na vida, o mais baixo componente de uma onda sonora complexa.

Aí você vem e me diz: “É. E?”. Tudo bem, Hertzinho metido à besta. A impossibilidade do ouvido humano de identificar essas suas freqüências formânticas me consola. As únicas coisas que eu posso fazer pela sua falta de entrelinhas e calcificação de derme são: abrir ao máximo a minha cavidade oral e bocejar, colocar a 180 graus o ápice da língua e me despedir de vossa senhoria com um arredondamento de lábios à distância, produzindo um ligeiro e irônico clique – muack.

Beijonãomeligaporquevocênãotemingressão

dearprapoesia.


sexta-feira, 18 de abril de 2008

Post 37: Desabafo-rápido

"Ninguém venha me dar vida,
que estou morrendo de amor,
que estou feliz de morrer,
que não tenho mal nem dor,
que estou de sonho ferido,
que não me quero curar,
que estou deixando de ser,
e não quero me encontrar,
que estou dentro de um navio,
que sei que vai naufragar,
já não falo e ainda sorrio,
porque está perto de mim
o dono verde do mar
que busquei desde o começo,
e estava apenas no fim.
Corações, por que chorais?
Preparai meu arremesso
para as algas e os corais.
Fim ditoso, hora feliz:
guardai meu amor sem preço,
que só quis quem não me quis."


(Cecília Meireles)

________________________________

O mundo (o meu, pelo menos) anda girando em torno de preocupações acadêmicas, histórias alheias e vontades roubadas. É um buscar o que buscar incessante. Perdendo o hoje com a certeza de que o amanhã será apenas mais um dia.
Sorte que nunca é tarde para voltar atrás e recolher o que foi perdido. Salve!

Sem melancolias...

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Post 36: Sobre horóscopo, acreditar e Gil.

Sol na casa 7, lua na casa 1

17/04 (hoje) às 19h23 a 20/04 às 17h57

Eis que a Lua torna-se cheia, formando uma oposição ao Sol, no eixo 1/7 do seu mapa astrológico, entre os dias 17/04 (hoje) às 19h23 e 20/04 às 17h57, Guilherme. Estes serão dias delicados, onde a palavra-chave é ajuste dos relacionamentos: quem sou eu e quem é o outro? Até que ponto eu vejo o outro como outra pessoa, até que ponto perco a objetividade e o vejo como um espelho de mim? Todos nós tendemos a projetar coisas de nossas almas sobre as outras pessoas, em maior ou menor grau, e em alguns momentos específicos. Convém, Guilherme, neste momento, você avaliar melhor se aquilo que você tanto critica ou elogia em seu próximo está realmente no outro ou se é algo seu que se encontra projetado. Este pode ser um maravilhoso momento de complementaridade, em que surge alguém com as peças que faltavam para você montar um quebra-cabeças, mas pode também ser um momento de confronto, em que dolorosamente alguém lhe enfia o dedo na ferida.

___________________________________________________________

Seria ingenuidade acreditar em uma coisa que nunca deu certo antes?

De útil mesmo, essas coisas transcendentais sempre me lembram "Esotérico" do Gilberto Gil.



(Ai, ai... )

terça-feira, 15 de abril de 2008

Post 35: Anseios pseudo-triviais.

Eu decidi que, a partir de hoje, a vermelhidão viva e tremeluzente das concretudes é minha. O ego precisa reconhecer-se, dar um grito na decrepitude de um dixhuitième vigésimo primeiro e decretar um novo século das luzes interior.

Sinto falta de personagentes. Somente enxergo ficções e ficcionalizações de tudo, todos e todrem. A inércia alheia perambula conosco, caracterizando ectoplasmas encostados.

Quero ver uma água viva, uma descoberta do mundo, uma veia no pulso e aprender a viver com a paixão segundo G.H. Descobrir os mistérios de coelhinhos pensantes, ter acesso às vidas íntimas de Lauras e sempre, sempiternamente, ficar perto de corações selvagens.

Seria interessante ter um processo de metamorfose, escrever uma carta ao pai perguntando o porquê do cosmos.

Preciso de um otimismo cândido e, ao mesmo tempo, de uma sensibilidade, um subjetivismo rousseauísta. De uma mímesis aristotélica que se faz necessária na divisão dos meus mundos, na minha linha khorismótica.

Uma rotina com espécies de Medéia ao meu lado para que os antídotos e a cura para as enfermidades pseudo-civilizatórias fossem descobertos, uma esfinge que me desse um enigma para ser desvendado na busca de meu próprio caráter Édipo, Macabéas me esperando em cartomantes e uma poética eterna nos meus poros precisam ser avidamente procurados, a fim de que um SER seja.

O que eu queria mesmo é poder chamar Platão pra um botequim e esfregar na pele o arrepio que os poetas causam naqueles que abrem as portas da sua Tróia interior.

Está bem, Morus. Vamos. Eu sei que é utopia. Mas é exatamente ela a responsável pela plasticidade dos dedos róseos da minha aurora.

Post 34: À espera de um devir.

, e essa tal de inspiração que alimenta um ciclo vicioso. Sim, vício. O escrivinhador absorve o externo para transformar em um interno, e o que vem de dentro entranha-se no que é de fora.

Inspira-se o ar, a melodia, o aroma, as cores. É um fluxo de sinestesia que constitui a arte. De dentro pra fora, de fora pra dentro; de fora pra dentro, de dentro pra fora.

Paro e percebo. Jogo pra mente. Isso, com o “o” aberto. Sinto um zuvoên sináptico, uma balbúrdia de neurônios querendo absorver. Inspirar para depois expirar. Traga-se a dinamicidade e a estaticidade para que um it ou um ed seja efetivado.

Eu queria escrever sobre baratas ou marimbondos. Mas o meu ato de tragar de hoje foi tão influenciado por uma quinta história clariceana que eu me sinto dedetizada. Não há. Não há em função de uma ausência. Não há devido ao um não haver.

Estou estática, sem ações determinantes nem ao menos determinadas. No atual momento, preservo-me em um dos melhores mundos possíveis. E não adianta surgir um ser voltairiano querendo me ironizar com um Pangloss da vida.

Nesse instante, sirvo a Leibniz. Por pouco tempo, eu sei. As dramatizações e reclamações são inerentes ao ser humano. Não serei, agora, exceção.

Recolho-me no meu El Dorado à espera de um devir. Com licença.

domingo, 13 de abril de 2008

Post 33: Sobre Bette Davis

A filmografia de Bette Davis percorre todas as possibilidades de estilos cinematográficos hollywoodianos. De magníficos dramas como “Vitória Amarga”, perpassando textos clássicos como “Dama por um Dia”, a filmes de grandiosidade imensurável para o cinema americano e mundial (“A Malvada”, “Baby Jane”, “Jezebel”, só pra citar alguns).

Ao contrário de grande parte das estrelas da época, venceu majoritariamente pelo talento (já que a beleza, comparada a outras atrizes, lhe faltava); não foi Scarlett O’Hara, mas foi a genial Margo Channing. Papel fundamental também teve na relação entre os estúdios e os artistas: não se prendeu a contratos que levavam freqüentemente ao fim da carreira. Sua independência a libertava da obrigatoriedade de atuar em filmes determinados pelos estúdios (que eu saiba só Garbo tinha suas decisões acatadas... e olhe lá) e permitia a escolha de papéis com o qual mais se identificasse.

Quando ninguém mais a queria, a coragem lhe fez oferecer seus serviços em um anúncio de jornal. O mesmo sentimento foi combustível que a levou a contracenar em “Baleias de Agosto”, pouco antes de sua morte. Não escondia seus desafetos (Joan Crawford e Faye Dunaway, por exemplo), nem a vontade de ter ganhado, segundo ela, “pelo menos mais três Oscar”, além dos dois que já tinha.

De uma carreira de mais de 60 anos, milhares de fãs, uma música em sua homenagem, filmes que abarcam uma variedade imensa de assuntos e uma personalidade tão forte que ainda é possível ouvir seu ressoar. E no centenário do seu nascimento, uma infinidade de matérias e crônicas vem saudar aquela que talvez seja a maior atriz de todos os tempos (eu disse “talvez”). Nada mais merecido.

A adúltera, a assassina, a mendiga, a estrela de cinema esquecida, a mãe cruel... O melhor papel de Ruth Elizabeth Davis foi, definitivamente, o de Bette Davis. Durante 82 anos.

Obs.: mais filmes dela precisam ser lançados em DVD.

Post 31: Não escapo.

I

Fica com meu silêncio, então. Guarda num baú velho, põe tuas fotos sobre a minha boca te assegurando que eu me cale. Esquece tua piedade. Engole minha dor vaga, e deixa vaga uma lacuna nessa caixa de madeira pra tua crueldade.

II

Fica com minha esperança, então. Guarda no teu peito essa memória, põe tua mão sobre meus olhos te assegurando que eu não te veja. Esquece tua moral. Engole minha vontade lúcida, e deixa lúcida nessa caixa pulsante tua vontade.

III

Fico com o teu gosto na minha boca e com teu futuro nos meus olhos.

domingo, 6 de abril de 2008

Post 30: Sobre tentativas.

O blog ficou um pouco largado... a culpa é minha. Falta de imaginação e tempo. Pra movimentar (um pouco que seja) as coisas por aqui, uma clara tentativa de fazer uma poesia. Explicando um pouco a proposta da tia Cinda Gonda: trabalhar emcima do tema "." (é e não é um ponto, na verdade... é o que a sua imaginação quer que seja). Aliás... tenta também. É uma experiência libertadora.



Brilha um ponto por entre minha janela
que me lembra da saudade de ter saudade
dos caminhos sinuosos da tua boca
e das vontades tão minuciosamente sonhadas.

Brilha um ponto por entre minha janela
que me lembra de te ser fiel por toda a eternidade,
que me faz inerte ao mundo e as vontades do destino.

De sonhar, querida, sobrou o pó sobre teus objetos esquecidos.
sobrou tuas cartas queimadas
e os fragmentos de alguém que sonhava.
sobrou teus erros
e tua vontade relutante de fingir ser.

Hoje, vivo em lapsos.
Lembro, não sinto saudade.
Quanto a ti: pensa-te. E aceita.