domingo, 27 de janeiro de 2008

Post 10: Textos (I)

19:47. Central do Brasil.

Escondidos na bolsa, os óculos ressaltam a fragilidade necessária. A cara pálida busca pena. Descarta de imediato os homens, insensíveis. Assim como a compaixão de senhoras da sua idade (levam uma vida igual a sua). Viagem perdida, desperdício. Pessoas iguais, pensa, agem segundo o desespero de suas vidas mornas. Pressa. Lembrou-se do maquinar em sua cabeça, teorizando motivos e causas... da primeira vez, do medo, de como tudo vira costume (costumes não envolvem medo).
Entra no vagão. Senta. Ninguém. Caras comprimidas. Enfastia-se de sua própria vontade, cansa. Observa. Desde quando seriam iguais? Mesmos movimentos, mesmas ambições.

- É... - balbucia.
- A senhora está bem? - pergunta a garota, esperando resposta afirmativa.

Merda. Boas maneiras. Tudo o que dispensava hoje (talvez não amanhã). Pensa.

- Não muito, querida.

Merda, pensa a garota... velha sozinha é foda!

- Posso ajudar em algo?

Tola, mas perfeita. Jovem, mas interessada. Entra em conflito consigo mesma. O vento bate forte. Os passageiros fecham as janelas... mesmos movimentos!

- Meu filho...

Problemas familiares, merda.

- Seu filho!? - pergunta em busca de uma resposta que não quer escutar.
- Não sei por onde anda.

Agiu conscientemente. Desistira de tentar entender, e muito menos de se punir. Era assim e pronto. Sua natureza fria. Esquentava-se sendo utópica e mentirosa.

- Como? - saco.
- Saiu de casa, uma mochila... algumas roupas, e o dinheiro que tinha posto dentro de um pato de porcelana - Detalhes, como o do pato de porcelana, indicam veracidade, pensou sem ter tempo para pensar.
- E não deu notícias?
- Um telefonema... ruídos. Ouvi seu nome, nada mais. - sentia a pobre menina compadecer.
- Se ele telefonou, está bem. - velha chata, matrona. Deve ser por isso que teu filho fugiu.
- Não tenho certeza, não andava bem, tinha aprontado. - estava abalada pela fala da garota.
- Mas os jovens aprontam... - evitava uma extensão da conversa.
- É? - garota idiota... seca.
- Já dei muito trabalho pra papai! - que seu filho se foda.
- Ó, querida! Obrigada. - filha da puta. Deve ser adotada, aposto. Maldita bastarda.

Mexe nos óculos, olha o relógio velho. Movimentos treinados e executados naturalmente. Orgulha-se... era uma mulher de objetivos sempre alcançados. Procura o nada na bolsa, encontra a miséria: pouco dinheiro, um batom velho de cor duvidosa e o estojo visivelmente antigo dos óculos. Como não causara pena?

- Você estuda? - tenta mais uma vez
- Sim, senhora. - corta o papo.
- E o que faz? - insiste.
- O colégio ainda. - tenta um fim definitivo.
- Meu filho tinha acabado de entrar na faculdade. Pública! Era um menino tão esforçado, mas não soube aproveitar o dom de Deus - o sobrenatural era sua cartada final.
- Mas a vida é assim mesmo!

Frases vagas. Tão irritantes quanto movimentos sincronizados.

- Pois é, mas acredito que Deus vai me ajudar nessa luta. - Deus, luta de uma mãe... essa vadia!
- Ter fé já é um bom passo. Quando mamãe morreu, foi em Deus que me agarrei.

Ganhara-a.

- Ó, minha querida. Meus sentimentos.
- Tudo bem. A saudade permanece, mas a dor passa.

Frases vagas.

- Mora com seu pai?
- Sim, senhora. Tenho que trabalhar... ajudar no sustento de meus irmãos.
- Mas trabalhar tão nova? É quase um pecado.
- É necessário. Mas tenho fé... os estudos me farão mudar de vida.

Toca o telefone. A garota atende. A senhora vira em busca da melhor posição para ouvir o telefonema. Remédios, urgência. Pobre garota. Deve ser puta, só assim sustentaria os irmãos, supõe.

- Desço na próxima estação. Boa sorte.
- Boa sorte?
- Com seu filho!
- Agradeço - cora subitamente.

Desce a menina. Velha escrota, diz baixo, e burra. Ri.
Permanece a senhora sentada. Talvez retorne, pegue outra linha. Não tem pressa, ninguém a espera. Pensa na garota, uma infeliz. Comove-se com o alheio. E comove-se consigo mesma, é humana.

Volta, a senhora, enganada. Mas feliz.