terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Post 2: Mais uma euforia prosaica.

Mais Uma Euforia Prosaica


O que será que se faz com mais uma folha de papel marcada com a branquidão da falta, da ausência de um algo? E eu me deparo com esta folha pedindo-me que eu a execute de uma forma qualquer, que a deixe mais colorida de um cor única, enfim ,que eu a faça viver. Mas eu? Por que essa incumbência a uma filha de Adonis e Afrodite?

Olho para ela e vejo seus olhos imaginários, olhos biltres, tristes e sozinhos nessa palidez finita. Pergunto, telepaticamente, através do mais simples adjunto adverbial de modo: como? Como eu a faço viver? Como, pelo amor de D'us, de um Deus judaico, diga-me como eu dou vida a um ser teoricamente inanimado? Essa prosopopéia deixa-me com ares de preocupação de não saber o que fazer diante de uma situação tão pitoresca. Folha doida, bandida, conseguiu roubar meu sono breve e parece que conduz minha mão direita com uma velocidade inerente à uma quase psicografia. Mas psicografia de uma folha?

É mais forte do que eu. Essa loucura desenfreada, frenética, tremeluzente e hermética _ sim, loucuras geralmente são herméticas _ causa-me um desconforto alucinado.

Espere, espere. Mais um pouquinho. Parece que a folha deixou-me em paz nesse instante. Levantar-me-ei para olhar o céu durante um instante minúsculo. Minuto minúsculo.

Tem tanta gente lá fora...carros, ônibus, gente mesmo. Gente viva. Gente morta. Gente quase-viva e quase-morta. Gente. O céu está de um morrom opaco. Hoje é um dia estranho. Mais um dia epifânico em minha selvagem e prosaica vida. Minha “selva oscura” dantesca. Quem foi que inventou a tensão? Depois de Sófocles, acho que foi o automóvel.

A folha chamou-me novamente. Tenho de atendê-la. Ela sofre. Tem uma ligeira crise de identidade de um papel semi-consciente, voltando de um coma induzido. Não entende esse mundozinho perdido, sem parâmetros. Às vezes folhas também se sentem perdidas. Por que não? Claro que sim. Vejo um leve sorriso em seus lábios murchos, pálidos e finíssimos. Minha missão está cumprida. A cor única que esta folha tanto queria, conseguiu. Libertou-me. Pronto. Aqui está um texto. Um conjunto de vários morfemas, lexemas, fonemas. Sim, insano, mas um texto. Dobrarei-o e o jogarei da janela de um avião igualmente imaginário, mas extremamente real no meio de meus neurônios. Você,que o achou ou o achará em algum lugar, seja feliz. Seja feliz enquanto é tempo de jabuticabas.