Um dia comum na zona sul do Rio de Janeiro.Trânsito frenético, pessoas hiperativas correndo de um lado ao outro em busca de um não-sei-o-quê.Mas existia, sentado em um banco da orla copacabanense, um senhor.Um senhor pensativo e estático.
E a eterna Segregação Sócio-espacial. Prédios pomposos, imponentes situados na Avenida Atlântica e casinhas precárias no morro adjacente. Paradoxo infiel.
De repente, não mais que de repente, uns estalos no céu. Tiros que se confundiam com fogos de artifício.Correria. Fato freqüente no Rio.
E aquele mesmo senhor estático sentado em um banco da Atlântica.
Viaturas policiais com suas sirenes apitando, denunciando alguma irregularidade, em direção ao tal morro.
E aquele mesmo senhor estático sentado em um banco da Atlântica.
Mais tiros.
Agora, sim, eram fogos. Fogos denunciando a entrada da polícia no morro.Uma espécie de “código-morse” transviado, marginalizado.
E aquele mesmo senhor estático sentado em um banco da Atlântica.
Mais tiros.
Mais pessoas correndo desesperadas.
Mais estabelecimentos comerciais fechando suas portas.
Trânsito menos frenético em função da violência.
E aquele mesmo senhor estático sentado em um banco da Atlântica, calmo, olhando aquilo tudo num olhar mágico, petrificado.Um senhor calvo, de óculos, mãos cálidas e um olhar consolador.
Esse senhor foi um poeta. Um homem sensível. E, em função desta sensibilidade, tornara-se levemente arredio à sua própria espécie. Guardava no sobrenome a alma carioca: Drummond.”Drum” de “alta”.”Onde” de”onda”.”Onda alta”.O mineirinho mais carioca que o Rio de Janeiro já pegou pra criar. Esse mineiro-carioca, observador, era Carlos Drummond de Andrade, o Carlito, em sua estátua em Copacabana.
E este mesmo senhor estático sentado nesse banco da Atlântica estava a observar a destruição da sua Cidade Maravilhosa.